As relações

Quando se sofre um acidente como meu as relações mudam muito. Mas podem acreditar o que mais nos incomoda é a de sermos tratados como crianças ou como alienígenas ... rs. Portanto tentem agir naturalmente.
Sabe, no início tudo é muito louco e muita gente e nem você acredita no que aconteceu! Minha casa vivia repleta de gente e como sempre fui muito popular tinha gente de todo tipo, uma diversidade só! Parecia até o programa da Regina Casé!
O tempo passa e por ele e com ele as pessoas somem, as prioridades mudam, as relações mudam, sentimentos também e ai como nossa vida enquanto deficiente requer uma demanda enorme de coisas e afazeres, naturalmente o afastamento ocorre.
Eu não me aborreço com isso, não pensem nisso como uma reclamação por favor!
Mas acabamos por descobrir quem são e o que são as pessoas em nossas vidas ... sem menosprezar ninguém e nem ignorar o que passam na vida ... ela é cíclica!
Olha, eu continuo tendo muitos amigos, perdi alguns e ganhei novos e muitos ... amores ... perdi, ganhei, perdi novamente e a vida segue.
Muitas questões são levantadas a respeito das relações com deficientes, principalmente as sexuais. Mas vamos devagar né? rs ... Eu fico imaginando mil coisas ... viajo! Vamos por parte.
A família tende a te proteger como um bebê e se puder a redoma de vidro é montada, normal ... proteção total! Paciência e muuuuuuuuuuiiiiiito amor pra lidar com isso. Já os amigos, bom ... a maioria totalmente desencanada, mas na hora de te chamar pra sair, viajar e afins ... hum ... será que dá? será que pode? tem lugar? e a cadeira? Ah ... a danada da cadeira, vira um ocupante! E ai? 
Se o seu desejo maior é de estar com essa pessoa (ou outra) que hoje se encontra em uma cadeira de rodas ou tenha outra limitação, pergunte a ela se ela se quer ir, me pergunte! Sei do que preciso, do que posso e o que quero desbravar e jamais me colocarei em risco! Com um pouquinho de boa vontade e amor tudo da certo e por minha conta diversão garantida! É só chamar que eu vou, como canta lindamente Pedro Mariano.
Bom, quanto ao amor ... é verdade! Podemos TUDO! Nesses três anos vivi de tudo, me permiti ... afinal to vivinha da Silva! Um amor que se foi, um antigo que chegou e também se foi e uma nova paixão que também se foi ... digo que de minha parte tudo foi vivido de maneira verdadeira e muito intensa, sou assim. 
Agora deixo uma pergunta no ar: Todos se foram? Como pode ser essa relação? Você se deixaria levar por uma paixão assim? Se apaixonaria por um/uma cadeirante?
Informação demais né? Eu volto contando alguns detalhes sórdidos e esclarecendo algumas dúvidas e dando algumas instruções pra não pagar mico né? Perguntem a vontade!! Se eu souber ... aguardem relações parte 2. Beijos ...

Espelho ...

Assim como toda mulher eu não podia ver um espelho ... em casa era uma demora pra sair!!! Mas na condição de andante eu era terrível! Não podia ver nada que refletia minha imagem ... dava aquela olhadinha, arrumava o cabelo, dava uma voltinha, conferira o bumbum e seguia cofiante!

Mas não ... espelhos me perturbam, vejo uma figura que não sou eu ... dói ... sem roupa então!

Mas o tempo passou e espelho só para o rosto rss ... fotos sim! Adoroooooooo  e até gosto do que vejo! Mas espelhos não!

Sabe, o espelho se prestarmos bem atenção refletem além do que vemos e se olharmos bem fundo aos nossos olhos conseguimos ver além. As máscaras caem e o nosso verdadeiro eu surge ... aquela imagem refletida morre e efetivamente nos descobrimos e percebemos o que realmente somos, nada.

Quando faço esse exercício, lembro da minha infância e dos meus segredos os mais ocultos, da minha vida boa, do colégio, a música, família e de como me tornei essa pessoa adulta ... penso, penso e se olhar fixamente até me assusto! Somos podres! Repugnantes! Deveríamos olhar mesmo para os valores, bons valores que foram trazidos para nós até aqui e quanto tempo faz. A beleza ... ah a beleza está naquilo que valorizamos e na maioria das vezes é NADA!

Hoje compramos um belo pacote e a medida que o embrulho se desfaz nos decepcionamos e mesmo assim queremos dar um jeitinho, ver que o laço não se desfez e que um rasguinho aconteceu e que a verdade está ali e nem sempre é o que queremos ver e aceitar.

É estou nesse momento ... vendo sujeiras, verdades, inverdades e descobrindo coisas que não gostaria de sentir mas sinto. Vendo a pessoa que me criou e deixou muito de si em mim, que saudade e falta ela me faz ... minha avó ... a vejo e sou eu ... hoje vejo ainda mais a falta que me faz ... e por vezes me confundo com os demais ... aqueles que passaram pela minha vida e deixaram marcas boas ou ruins ... será que você  não esta aqui, em mim?

Façam esse exercício desafiador eu ainda estou nele, habituada já com meus adversos que são muitos e outros ainda viram, é a vida! 

Ah! Eu já consigo me olhar no espelho um pouquinho mais, mas o meu medo maior é dele se quebrar.

Momento Sarah

Enquanto aguardava, a angustia aumentava ... e pensei: demora ...

Mas em 4 meses fui chamada! A expectativa era grande e a possibilidade de voltar a andar era enorme!!!

Quem estava comigo? Simone Campbell ... Exames, conversas, testes e enfim ... reabilitação. 

Tudo começou a acontecer e ... percebi que aquele lugar grandioso não iria me fazer andar novamente mas me ensinar muitas coisas a respeito da lesão e aprender a lidar com minha nova condição física. Confesso ... estranho, mas muito doloroso. 

Depois de tantas aulas e aprendizados pra lá de necessários, chega o momento que mais gosto: exercícios! Dor, muita dor ... loucura, mas amei! 

Exercícios com órtese

Eles me deram as armas e dei continuidade em casa ... órteses, esses negócios ai nos meus braços ... sinceramente, ainda estava meio perdida mas não podia pensar muito e nem devia! 

No programa conheci pessoas e histórias incríveis, vi que meu problema era ruim, mas existiam pessoas com problemas grandes também. Aprendi que não devemos pensar que a situação do outro é pior para nos confortar e seguirmos a diante, aquela frase: "olha para traz tem gente muito pior que você!". Procurei me inspirar em pessoas vencedoras que mesmo sem andar ou se movimentar tanto, estavam com passos bem largos a minha frente! Pensamentos e atitudes que fariam a minha nova vida mudar!

Eu amava cantar e a LM (Lesão Medular) nos dá algumas limitações e alguns brindes também. Além de precisar de sonda para fazer xixi e auxílio para fazer o número dois (a maioria dos lesados precisa), tive um comprometimento na respiração justamente por ter uma lesão alta, na cervical (pescoço) C4 e C5 ... cantar meu prazer ... o Sarah me trouxe isso de volta. Quanto empenho! 

Exercício vocal

Mais uma vez me deram o caminho e em casa com a fono continuava o trabalho ... consegui e continuo treinando sempre! Hoje canto e amo me ouvir cantando, mas sempre acho que posso melhorar.

Meu tempo no programa acabou ... fiquei triste ... mas precisava por em pratica em casa as coisas: comer sozinha, transferências, força, respiração e a cabeça sempre em ordem ... psicólogo. Quanta importância, muita importância ... fundamental como a fiso e a fonoaudióloga.

Voltei pra casa agora sem o Sarah ... minha frustração, nada de perna.

Eventualmente era chamada para fazer um exame ou outro e foi em um desses dias em que perguntei: E o "resto"? Quero mais! Muito mais!!!

Era necessário apresentar uma tal demanda e foi ai que minha ficha caiu. Demorou para eu entender, sofri, chorei, fiz exames ... e chorei, chorei muito ... essa demanda que tanto ouvi em minha vida profissional, enquanto bancária, não se encaixava na minha vida de cadeirante. Mas uma hora em definitivo consegui entender, eu precisava apresentar novos resultados para conseguir o que tanto queria: ficar em pé ou até ensaiar uns passinhos rss.

Fui a luta! E comecei a trabalhar duro em casa com a fisio, ganhando cada vez mais força nos braços e trabalhando o controle no tronco. Pronto ... comecei a ser chamada pra fazer testes em pranchas e outros aparelhos para ficar em pé! Fiquei feliz e consegui realizar um dos sonhos que tanto queria para esse ano! 

Tive surpresas boas e ruins nessa caminhada, mas ainda não acabou, o ano também não ... então vamos a luta ... creio que ainda teremos novidades. Vamos aguardar! Eu juro que conto ...

A ligação.

Mais um dia começou e como sempre tudo igual ... rotina é um negócio chato, imagine nessa situação ... tá certo, mas a rotina é algo necessário. Começo o dia trocando fraldas, roupas molhadas, banho na cama, toda hora alguém mexendo em voce ... ai que saco!
Finalmente alguém chega para me dar um up e claro me fazer rir um pouco ... Simone Campbell.

Ela queria me deixar mais bonita como antes, fomos fazer as unhas ... rimos horrores!
Derrepente o tel tocou e era da rede Sarah ... fui admitida ao programa ... no lugar dos risos e das lembranças antigas ... choramos juntas ... uma nova esperança! Essa então foi a primeira das muitas alegrias que tive ao longo desse período e as que ainda terei. Secamos o rosto e continuamos a nos divertir, como o habitual. Agora era só aguardar o chamado e começar a primeira fase de muitas ...

A luta continua ... Ai entra o Sarah.

Já instalada em casa, chegou o momento de conhecer os profissionais que me acompanhariam nesta luta. Eu queria mesmo era conhecer a físio ... Ana Cristina ... estamos juntas até hoje ... ela tem um histórico de reabilitar pessoas e isso me deixou muito feliz!

Ela logo me avisou que o caminho é lento, mas que não deveria perder a esperança e trabalhar duro para alcançar qualquer resultado. É com muita dor e lágrima que estamos construindo nossa amizade ... Devo agradecer ao Dr Pablo, fisio do Copa D'or, que além de me indica-la foi o primeiro a me colocar sentada na cama ... ela (a loirinha) por sua vez fez a mesma coisa.

Ainda no hospital ouvi alguma coisa sobre a rede Sarah, os médicos falavam que eu teria grande chance de ser aceita no programa e coisa e tal ...  minha mãe 2, Ana Trajano, pesquisou tudo e nos deu o caminho das pedras, ou melhor da esperança.

Em uma manhã de abril, minha mãe 1, Eunice ou Lia, começou a ligar para o Sarah e finalmente as 12 h ela conseguiu contato ... ficou mais de uma hora ao telefone, passando tudo, lendo laudos, remédios e mil coisas. Pediram para aguardarmos um contato telefônico ... perguntei pra minha físio se isso iria demorar, ela me disse que alguns pacientes aguardam até um ano por esse contato ... fiquei triste mas ... não parava de lutar.

No dia seguinte estava com a enfermeira, a Edevanir (a da foto) e uma visita muito especial, quando o telefone tocou ...



CARNAVAL - TEXTO MEU TIO/DINDO - MUITO BOM

SENTA QUE EU EMPURRO........O que é isso ??
Muito Legal, pois trata-se de um bloco formado por Cadeirantes, aki em casa fomos todos intimados a comparecer no desfile do Bloco, na noite de sexta-feira 05/03, às 19:00 horas. Comandados pela Flavinha (minha adorável afilhada/sobrinha), partimos para lá, na Rua Arthur Bernardes, no Catete, e acredite se quiser, pois debaixo de uma chuvinha chata mais intensa, o Bloco deu início ao Desfile, inicialmente foi diferente, pois jamais havia participado de uma experiência parecida, aos poucos naturalmente começou a integração, que misturada à emoção e determinação daqueles Alegres Cadeirantes, que acompanhados de seus amigos e familiares, com muita determinação se divertiam a valer, comecei a registrar, fotografar e filmar tudo, resultado: Chorei, me Emocionei, Sorri, Dancei e, ao som daquela Batucada muito animada, desfilei acompanhando e também como diz o nome do Bloco, empurrando minha afilhada na maior felicidade, juntamente com nossos amigos. Realmente foi uma excelente oportunidade que tive de poder compartilhar aquele momento único com aquelas fantásticas e determinadas pessoas. Valeu!!!!!!

   
Valdair M Silva

TE AMOOOOOOOOOOOOOOO DINDO

A luta

Fiquei internada um mês e nove dias, e confesso que já estava ate me acostumando, eu achava que o Copa'Dor me oferecia uma segurança de que tudo iria ficar bem ... fazia fisioterapia todo dia e sensações novas apareciam discretamente, espasmos (movimentos involuntários de pernas, braços e etc.), alguma sensibilidade e a percepção do xixi saindo ... pensei: "to melhorando, que bom!" Mas ao questionar os profissionais eles me diziam que era normal. Como normal? Se recebi o diagnóstico de tetraplegia ... mas tinha que voltar pra casa ... achei que voltaria na cadeira de rodas ou no andador, mas não foi assim. 

Fazer uso de fraldas, sondas e tudo o que o hospital oferece naquele ambiente é normal, mas quando cheguei em casa já tinha uma equipe me aguardando com todos os aparatos do hospital e até outros ... foi péssimo. Fiquei triste demais ... a rotina era pior, todos se adaptavam e sofriam comigo.

Sempre estava tentando entender melhor o que tinha acontecido comigo, mas o medo me paralizava ainda mais ... a presença constante dos meus amigos amenizava a dor e eu até deixava de lado a minha dura realidade.

Gente, a pior coisa para mim foi ter minha intimidade invadida. Sabe aquelas paradas que você faz intimamente no banheiro ... pois é ... o pior foi saber que todas essas coisas que aconteciam não era meu corpo voltando ao normal e sim sintomas da LM, mas isso eu conto já já ...